Contos

Thursday, September 18, 2008

 
Metrô

A porta do metrô está se fechando e um garoto desesperado corre para não perder esse trem. Está certo que o próximo demoraria apenas uns três minutos, mas é muito para quem só quer ir para casa depois de um longo e cansativo dia de trabalho. Marcelo tem 18 anos, é office boy de um escritório de advocacia. Trabalha pesado todos os dias e ele sabe que esses três minutos entre um trem e outro é muito para quem tem as horas do dia contato, pois depois de descer na sua estação ainda precisa pegar um ônibus até o supletivo que ele cursa, na periferia perto da sua casa. Esses três minutos podem significar todo o seu horário de janta. Pega na sua mochila surrada um livro de geografia e começa a lê-lo, imaginando se um dia ele conseguirá ser um advogado, igual àqueles do escritório onde trabalha. Igual...

Lima é um advogado recém formado, tem 22 anos e está no seu primeiro emprego, no qual começou a menos de dois meses. Se formou numa boa faculdade privada, sempre tirou notas boas e agora, finalmente, conseguiu emprego em um banco, como advogado júnior. Mas ele nunca quis ser advogado, o terno bem cortado e a gravata apertada escondem um espírito mais rebelde que adoraria poder abrir mão de todo esse conforto gerado, de toda a expectativa familiar, para poder ser como...

Nelson tem 32 anos, mas a sua esposa diz que tem a mentalidade de um moleque de 15 anos. E é difícil não concordar com ela às vezes, principalmente quando ele passa dias sem conseguir levar dinheiro para casa, dinheiro que ele obtém tocando o seu violão numa praça da cidade, contando apenas com a condescendência e a piedade dos transeuntes, que não raramente confundem a capa do seu instrumento com um cesto de lixo, despejando papéis e cinzas de cigarros. Nessas horas, o que ele mais desejava era ter um emprego fixo e, principalmente um salário, tal qual...

Adriana é uma secretária em um consultório odontológico. Não é um grande emprego mas, para os seus 26 anos e sua origem humilde, não é de todo ruim. O dentista com o qual trabalha é um senhor muito educado, a trata muito bem. Se bem que algumas vezes ela desconfia de algumas atitudes dele, a maneira como ele a olha, como segura na sua mão algumas vezes em alguns procedimentos, até uns ‘toques’ na sua perna, meio que despretensiosos. Está certo, ela é até bonita, mas ela sabe que não dá para compará-la com...

Judith é uma wannabe um monte de coisas. Saiu do interior do Paraná há dois anos, com 16 anos e o sonho de vencer na cidade grande. Continua tentando ser modelo, tentando ser atriz, tentando ser rica, mas atualmente os únicos empregos que consegue são os de hostess em bares e aquelas meninas que ficam sorrindo com cara de paisagem nas exposições e agüentando as cantadas sem graças de marmanjos bem vestidos como...

Aurélio trabalha em um banco desde que se lembra por gente, e quando se tem 48 anos é muito tempo. Tem um emprego confortável, um bom salário que não é condizente com a (pouca) responsabilidade que tem mas, quando se chega nesse estágio da vida, não se aspira mais muita coisa, pelo menos é o que ele pensa. O que ele quer é chegar logo em casa, abrir uma cervejinha e assistir à televisão. A única coisa ruim é que lá vai estar a sua esposa baranga, velha e chata e não...

Nina tem 22 anos, é linda e gostosa e sabe disso. Sua profissão é viver de ganhar presente de homens ricos e importantes, que não têm limites para agradá-la. Apesar de ter nascido numa família boa, de classe média, se encantou com o luxo e com a ostentação e, se ela pode ter tudo isso com o mínimo de esforço, porque não tê-lo. Alguns a chamam de puta, ela não concorda, pois puta dá mediante pagamento, ela não, ela dá quando ela quer e pra quem ela quer, mas não é sua culpa que eles sempre são ricos e adoram dar presentes para ela. Ricos e bem vestidos, diferentemente...

Valdir tem 28 anos e aparenta ter muito mais. Pele queimada do sol, rosto cansado e mãos calejadas de horas de trabalho árduo como pedreiro. Faça chuva ou sol, calor ou frio, está sempre ele fazendo cimento, levantando paredes, nivelando piso ou qualquer outra coisa. Com muito suor e dor, consegue levantar um dinheirinho para levar para a casa e entregar para a patroa comprar as coisas para as crianças. Ela trabalha duro também, como diarista na casa de uns bacanas, como provelvemente...

Iara veio da Bahia quando tinha 12 anos com a mãe e mais 10 irmãos, mais velhos e mais novos, tentando buscar uma vida melhor que no sertão desnutrido, que já havia levado embora seu pai e mais dois irmãos. Quase vinte anos de cidade grande e ainda não havia encontrado essa vida melhor. Sua mãe falecera, assim como um dos irmãos, assassinado na favela onde eles moravam por um policial como...

Joel tem 30 anos, quase 10 de corporação e ama muito aquela farda. Diferente da maioria, que busca a polícia vislumbrando um mundo de corrupção ou por falta de coisa melhor, ele sempre sonhara em ser um policial, assim como seu pai, seu tio, seu avô. Claro que é difícil se manter incólume no meio de tanta sujeira, mas ele tinha orgulho de dizer que não tinha uma gota de sangue em suas mãos, apesar de sempre encontrar com...

Guga tem 17 anos e nem se lembra mais quantas vezes foi preso pelos gambés, como aquele que o observava agora. Merda, pensava ele, nesses horários o trem fica lotado e é um prato cheio para pessoas como ele, crescido e criado no meio do nada, sem pai, mãe alcoólatra e rodeado de todas as más influências possíveis e imaginárias. Como exigir dele algum respeito e dignidade se são coisas que ele nunca presenciou e que são tão reais como o Papai Noel ou o Coelho da Páscoa. Se ao menos ele tivesse uma chance como...

Paulo estava no cursinho, queria ser médico e, para isso, estudava o dia todo. Ainda bem que seus pais tinham condições de mantê-lo estudando em tempo integral, apesar de que, com 21 anos e indo para a sua terceira tentativa, tinha medo de falhar e ter que desistir do sonho. Pensava que a vida lhe tinha dado muito, e agora estava lhe cobrando o mesmo tanto, algumas vezes queria que tudo fosse mais fácil e simples, sem tantas expectativas como provavelmente deveria ser a vida...

O trem parou, abriu suas portas e o Marcelo saiu, apressado para não perder o ônibus. Quase trombou com Lima, que quer ir para casa e estudar o seu processo para amanhã. Nelson pensa em como explicar para a esposa estar voltando quase sem nenhum dinheiro, nem percebe que Adriana move-se lentamente, perdida em pensamentos se seu chefe está ou não com segundas intenções. Judith tem pressa para tomar um banho e sair para seu trabalho noturno, enquanto Aurélio fica olhando pra sua bunda com pensamentos sacanas. Nina quer apenas descansar sua beleza e Valdir quer descansar seu corpo cansado. Iara está preocupada em que fazer para a janta e Joel imagina faminto o que a tua esposa tinha feito para ele jantar, mas sem perder de vista Guga, que tenta se desvencilhar dos olhos do policial, que os fizeram perder a chance de pegar a carteira de Paulo, que tentava finalmente decorar uma fórmula de física qualquer.

O trem partiu, deixando para trás outras pessoas, com outras histórias.

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